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(O Natal sem avô)
Levou três anos a ser recuperado.
A minha avó, com luvas brancas de feltro, retira dos invólucros as pequenas figuras. Escolheu o móvel japonês lacado com incrustações de madre-pérola, para pousar as relíquias.
Despojou-o. A superfície negra, lustrosa, polida, acolhe as texturas resgatadas das imagens.
Quase três séculos depois, as três figuras abrem-se no esplendor do início.
- Queres ajuda, avó? – Tenho tanto medo de tocar no tempo!
- Quero que retires da caixa mais pequena os querubins.
Os querubins adormecidos. De asas fechadas a ouro folheadas. Um e outro. Medo a medo. Nas minhas mãos o tempo adormentado, entregue devagar a outro tempo.
Inamovível, intocável, imperecível a Senhora inclina o rosto de marfim para a criança que sustém ao colo. Senhora de marfim e talha de ouro. Senhora de José, ao lado, no lado que os protege.
Eu fico muda.
- Pousa-os, minha querida. Pousa os teus anjos aos pés de quem quiseres.
Aos teus pés, avô.
O dormir do Tempo e o dormir da Morte aos pés do meu avô fecharam asas.