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(Nuno Gama)
Há Himalaias de tempo que quero falar de Nuno Gama.
Não consigo recolher informação passível de me servir de apoio, porque existem milhares de artigos com o nome do criador português. Depois de me perder por entre algumas dezenas de labirintos, decidi, como rapariga esperta que nunca deixei de ser, esquecer o lido e visto e Nuno Gama surgirá somente como o quero, vejo e sinto, sem amparo de nenhum fã mais aguerrido.
Confesso que me maçou o insistente recurso aos motivos tradicionais portugueses do início de carreira. Às primeiras colecções faltava apenas o cheiro a sardinha assada e a entrecosto. Um piquenique provinciano com um aroma urbano que me era suspeito e indigesto.
O refúgio nos speedos também não me convenceu. Jamais me atrevo a repetir a horripilante e mentirosa declaração que consiste no assim também eu, mas, sejamos honestas, com uma óptima equipa de confecção ao dispor, um acertado leque de matéria-prima e dezenas de corpos masculinos de fazer sufocar de êxtase qualquer catequista ou corista ou malabarista mais tentado a figurar no trapézio, ouso, sem corar muito, o assim também eu e que o Gama me perdoe.
O belíssimo sorriso de Nuno Gama superava e colmatava as falhas e as repetições maçadoras das primeiras colecções.
Mas Nuno Gama envelheceu (de modo extraordinário, é bom que se refira).
Apresenta hoje o necessário aprumo, a lapidação do exagero (trauliteiro ou tradicional), a sofisticação de uma qualquer cidade do planeta a que fornece a indelével, e agora requintada, marca portuguesa. Torna-se multicultural na multiplicidade de cor, na conjugação de tecidos clássicos, ou tradicionais, que adquirem semânticas variadas produzidas por acabamentos quase básicos, quase minimais, pelo feito á mão, pela presença inesquecível dos saruel, kaftans e dejellabas, em estudada e perfeita harmonia com capotes do Alentejo ou samarras transmontanas.
Torna-se indiscutivelmente urbano e intemporal, arrojado e indubitavelmente contemporâneo, pela poder policromático do encontro de extremos geográficos e pela reinvenção de uma semiótica com notórias conotações multirraciais.
Ousado, inteligente, quase simplista, tranquilo, seguro, viril, dinâmico e de uma brutalidade sensual que nos esmaga, Nuno Gama recria deuses quotidianos, deuses diários, em simultâneo acessíveis e proibidos, carregados de cor, desejo, conforto e de um subliminar, mas potentíssimo, apelo sexual.
Gama veste um homem português, não resta a sombra de uma dúvida (embora sobre a sombra do pecado), fornecendo-lhe o que mais nenhum criador lhe concede com tamanha eficácia: a capacidade de o tornar o homem de todas as cidades do planeta.
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(Moda Lisboa)
Nota - É dificílimo encontrar imagens representativas do trabalho do criador, pelo motivos que se apontaram, mas é um prazer imenso googlar Nuno Gama!