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Não sou fã das praxes académicas, mas acredito que uma memória das bacanais do Império ido e enterrado tenha ainda seguidores, mesmo com os seus laivos sadomasoquistas, absolutamente desagradáveis e muito pouco sofisticados.
O que me recuso aceitar é a pobreza pindérica dos trajes das meninas que desfilam de negro, aos pinchos e aos gritos pelas avenidas da cidade. Não há qualquer justificação plausível para comportamentos que tocam o patológico e nos levam directos aos frascos da automedicação inevitável. Tornam urgente a ingestão de relaxantes e de substâncias que nos fazem esquecer a mediocridade com que se brinca a qualquer coisa sem nexo no recreio de uma instituição criada para albergar doentes mentais no século XIX.
No entanto, mesmo sob o efeito de milagrosas pílulas, é impossível não entramos em choque com o que as universitárias se atrevem a vestir.
O traje feminino é escandalosamente deselegante. Os materiais com que é executado são miseráveis e o corte do tailleur é mesquinho e faz lembrar as catequistas velhas e solteironas da província onde o demo só não perdeu as botas, porque não é parvo para percorrer os trilhos das cabras e não aprecia calcar bosta.
A capa, demasiado quente para a época em que normalmente é usada, para além de favorecer odores pouco compatíveis com a flor da idade de quem a usa, chega aos tornozelos ou é várias vezes dobrada no pescoço, de acordo com a etapa académica que se frequenta. Esta mimosa obrigação transforma as doces raparigas em frascos - alguns bastante encorpados, alguns bidões, - sem gargalo ou deixa-as com os mais deselegantes ossos do corpo prontos a sofrer um escrutínio minucioso, sendo os únicos passíveis de observar.
Os sapatos de plástico, os dolorosos e patéticos sapatos de plástico, golpeiam a tragédia, encerrando a catástrofe.
O conjunto lamentável obriga necessariamente que se desvie o olhar para outras paragens mais libertas deste fado e é então que lançamos âncora nos cabelos das donzelas.
Este olhar fugitivo acaba quase sempre num renovado acidente. O preto total faz realçar as guedelhas e são guedelhas desgrenhadas, jubas soltas e sujas - durante o período da praxe, segundo informação obtida, não é permitido prender o cabelo, - e melenas que não sonham sequer que existe o meu muito querido, talentoso e deslumbrante amigo Miguel Viana.
Meninas, é valoroso e de capital importância a frequência universitária, mas citando, numa adaptação livre, o assustadoramente culto Abel Salazar, uma universitária que não percebe que de traje académico se transforma em morcego com restos de rato morto na cabeça, nem da primária deveria passar.
Há que renovar, minhas queridas. As touradas também são tradição e não deixam de ser macabras e ofensivas.
Fotografia - René Maltête