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Prolongo a noite até meio da manhã, à espera que nada me desperte, que nada me empurre para o exterior insuportável, cheio de corpos que ocupam o espaço que queria para mim. Ultimamente tenho acordado com a sensação de ter lancetado um nojento tumor, correndo o risco de ser contaminada pela sua espirrante matéria putrefacta.
Hoje decidi não cumprimentar ninguém. Vou fazer com que as pessoas fiquem paradas e patetas sustentando atabalhoadas os sorrisos celibatários.
Não é por maldade. Na maior parte das vezes nem sequer vejo aqueles que estancam, bem na minha frente, escancarando a boca, em esgares de errada simpatia. É apenas uma atitude analgésica. Começo a ver a mediocridade dos dias como matéria presa em caixotes grosseiros. Desejo apenas que haja embarque. A sensatez impede que uma embalagem ria ou dê os bons-dias a uma outra que passe e eu sou, como eles dizem - com as mãos no fogo -, tão bem embrulhada ...
Ouço o rapagão a cantar no chuveiro. Entro também, já desperta e domada, a arrastar a frustração dos bichos impedidos de roer a própria vida nos covis da noite.
Pelo menos aqui, debaixo da água, há sempre qualquer coisa que não me canso de cumprimentar.
Não há nada medíocre em dividir o chuveiro com alguém que goste de ensaboar o corpo da partilha. Embora, diga-se em abono da verdade, sempre tenha considerado perigosas as superfícies escorregadias do ambiente esmaltado, não resisto à molhada sensação de ter um sabonete a deslizar no corpo, unido ao tépido contacto de dedos a borbulhar espuma.
Há muito poucas coisas que me agradem tanto como saber do fácil que é escorregar no banho, mesmo sabendo que me posso agarrar a mais do que à torneira, e arriscar teimosa um belo bailado muito à Gene Kelly.
Não é por maldade. É apenas um Brufen.