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A Gaffe não entende os livrómetros.
Não compreende, por ser rapariga pouco dada a manigâncias informáticas, a aplicação que permite que se inscreva a quantidade livros que se planeia ler, que contabiliza os livros lidos, que distribui o número de leituras pelo ano e que permite que nos alegremos muito, porque cumprimos o estipulado ou que nos enfureçamos quando tal não acontece.
A Gaffe, para além de considerar um bocadinho imbecil uma aplicação deste tipo, pensa que é absurdo comportarmo-nos como quando decidimos comprar os 30 cm de livralhada que nos falta na estante.
Embora a frustração de nos aproximarmos da data estabelecida para cumprir a meta bibliotecária sem perspectiva de a satisfazermos possa ser ultrapassada com a leitura dos romances de Margarida Rebelo Pinto que permitem comermos as páginas que esta querida vai repetindo de obra em obra, quantificar a leitura é sempre deprimente.
A Gaffe é uma rapariga antiquada. Considera, por exemplo, que Proust deve ocupar sete vezes setenta dos nossos anos. Pensa que a leitura do velho Dostoiévski tem de ser pausada e intervalada, de modo a nos deixar alguns meses para que possamos emergir dos seus universos asfixiantes. Acha que Shakespeare tem direito a semestres inteiros de atenção e que Hamlet deve reinar mais do que um ano. Sabe que Eça merece mais do que uma corridinha ou que a redescoberta de Balzac leva mais tempo do que o permitido pelo livrómetro.
A Gaffe percebe que basta um capítulo de uma das obras de uma miríade de autores com a dimensão dos citados, para esmagar o tempo que a aplicação lhes destina para que se cumpra o programado.
A Gaffe pensa que a leitura nem sequer se mede às palmas e fica pasmada quando percebe que há leitores que a encaram aos palmos.