Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
No Douro é uso plantar roseiras perto das vides.
São vermelhos sinais de perigo e de maleitas. A morte agarra primeiro o veludo indefeso das pétalas e entrega aos homens, alertados, o tempo de salvaguardar as vinhas.
Nada há para troca.
Lembro-me que ia pelo condenado ardor destas roseiras bravas ao mais alto dos socalcos.
Queria ver as nuvens como bandeiras mortas desabarem.
Queria encharcada de frio, de corpo líquido e de coração de enxurrada, ouvir os queixumes das folhas e a inquietude parada dos pardais. Queria ser maior do que eu e não ser nada. Queria ir de nuvem a escorrer-me pela boca, a entrar-me nos olhos para me secar a sede. Queria ver a minha terra de encardida lama. Terra que se lateja no coração das casas. Terra de abismos a cheirar a púrpura. Terra de socalcos prestes a parir. Terra que nos vem lamber as mãos e morde de repente a latir roseiras bravas.
Princesa fugida do inquebrável reino, queria ver a minha terra e na enxurrada dos socalcos via rosas bravas vermelhas mortas no peito da terra. Bocados de espuma a tombar na ara de lama.
Tinha ciúmes dos retorcidos e negros troncos das videiras, dos nodosos ramos grossos de silêncio protegidos pela ardência do sacrifício das rosas vigilantes. Via a impoluta indiferença rude e tosca das videiras perante a queda, que anunciava o perigo, das rosas bravas vermelhas, moribundas.
Demorei todos estes anos a perceber que há rosas bravias mesmo ao nosso lado. Ignoradas rosas que morrem para evitar o pedaço da dor que nos é destinado. Rosas que se calam e que nos escudam.
Gente que não vemos.
Em 2017 vou cuidar das rosas.