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A Gaffe não sabe cozinhar.
A Gaffe não sabe fotografar.
Torturando e tentado esmagar o dito até o transformar forçado num silogismo constrangido, poder-se-á concluir que a Gaffe não fotografa o que não cozinha.
No entanto, se soubesse preparar o prato mais simples que se possa imaginar sem transmutar a cozinha num cenário de um holocausto nuclear, se percebesse o mecanismo que permite colher uma representação aceitável do que lhe causa espanto, jamais se atreveria a captar uma imagem daquilo que produziu de avental e touca.
Toda a rapariga esperta sabe que para fotografar um morango encimado por uma gota de chantilly - dá um lindo pai natal na mimosa mesa da consoada -, é imprescindível substituir o branco doce por espuma de barbear que não se desfaz com o calor das luzes que foram estudadas com minúcia para que o brilho do verniz com que o morango foi coberto obtenha o toque mágico duma eternidade gastronómica e primorosamente natalícia.
A chamada fotografia culinária é uma arte difícil entregue a equipas de profissionais que cuidam da imagem da feijoada como cuidariam da que pertence à mais recente aquisição das passerelles.
Há no entanto meninas que sabem cozinhar, mas que não são grande garfo nas provas de contacto.
A Gaffe viu fotografias do work in progress e do produto culinário já finalizado.
A primeira contra a qual se esbardalhou, fê-la pensar que estava a ter uma premonição.
Sentiu-se mediúnica numa dimensão original, pois que vislumbrava o futuro. Perante esta rapariga atónica estava a fotografia que uma blogger de sucesso publicará daqui a duas décadas. Diante desta arrepiada criatura ruiva a imagem do conteúdo das fraldas do petiz de vinte e tal anos com que a mamã continua a brindar a plateia, nunca desistindo de a mimosear com as traquinices do rebento e a abdicar do patrocínio.
Depois da perplexidade, veio a bonança. Era uma mousse de chocolate em forma de cocó de gente que come como se não houvesse amanhã - continuamos assim, neste apontamento temporal, a aludir a premonições.
A segunda consistia num bolo de maçã, com recheio de manga e cobertura de caramelo.
A fotografia mostrava uma fatia de uma massa verdoenga e esfarelada por onde escorria uma substância viscosa e vagamente cor-de-laranja numa alusão nítida ao PSD. No cimo, uma fila indiana de lesmas muito bronzeadas parecia abrir caminho lento e penoso na rugosidade do destino que lhes entregou o sacrifício.
A Gaffe, passado o choque e já sob o efeito de uma sessão de psicanálise que a impede de associar cocós e lesmas a fotografias dos cozinhados das fadas do lar, resolve lavar a alma e os olhos por um diferente petisco da mamã, desta vez muitíssimo bem fotografado por quem sabe, acreditando que com ingredientes destes até ela seria capaz de cozinhar o prato e que seria difícil arrancá-la da cozinha.
Na foto - Franco Noriega