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A Gaffe detesta sonsas quase tanto como odeia sardinhas. Sobretudo aquelas não se detectam de imediato, parecendo-nos apenas fofinhas.
Se a Gaffe perder algum tempo com a imagem que se apensa, verifica que a doçura da petiza é falsificação. A pequena pestaneja com a velocidade da retoma económica. As sonsas difíceis de sinalizar revelam-se apenas porque baloiçam as pestanas para cima e para baixo quando lhes aparece na frente o que desejam e sabem ser nosso. Normalmente é um homem que nos custou couro e cabelo conquistar e que acaba a comparar o nosso mau feitio com a afabilidade tímida da sonsa. É evidente que ficamos a perder, porque acabamos a rabujar impropérios e a disparar obuses contra a dulcíssima figura. A sonsa reconhece que uma das suas armas é a facilidade que possui de nos transformar no Incrivel Hulk e, é evidente, nenhum rapaz ambiciona ter verde tropa na cama – enfim, há excepções, mas mesmo essas ficam em desvantagem perante um ataque da sonsa.
As sonsas nunca exigem nada. Contentam-se, penduradas num sorriso ameno, com o que é sorteado e lhes cabe em sorte. Nunca reclamam a não ser através de uma ladainha morna e cadenciada, que chega acompanhada de um sorriso terno, infantil e tímido que manobra de modo eficaz o ouvinte que se baba e que acaba por engolir o sapo que não lhe era destinado.
A sonsa não critica nada. Faz reparos. Anotações. É quase pudica, quase catequista de paróquia perdida no alto da serra, quando nos aponta, como quem não o quer e com a brancura da surpresa, o nosso decote que revela um soutien minimal e sem história comparado com a obscenidade de renda vermelha debruada a penas pretas que usa nas suas romarias de alcova.
A sonsa parece casta, fria e inacessível. Acaba por cumprir este desiderato, corando mal se pronuncia a palavra xixi, porque lhe lembra a anatomia masculina, mas apenas em relação ao homem que é seu noivo – a sonsa não tem namorado, tem noivo. Descobrimos com alguma facilidade que é a domina de um bordel sadomasoquista em Bragança completamente desconhecido das donas de casa lá da terra que acreditaram que toda aquela parafernália era oferta da Ordem Sacra dos Santos Cilícios.
A sonsa envia ao chefe, por engano, os nossos ficheiros esbardalhados e ensebados que lhe pedimos para rever e acrescentar o que é da sua competência, informando o monarca, muito prestáveis, que fomos nós que arcamos com o trabalho todo. Quando o chefe nos aparece com cara de leão-marinho após o degelo, prontifica-se a assumir o erro quase a choramingar no ombro do paquiderme sem sequer se interessar em saber se realmente o leão-marinho é um paquiderme ou nem por isso (este pequeno lapso zoológico é comum a todas, sonsas ou não).
As mentiras da sonsa não chegam a ser mentiras. São amostras de falta de verdade ou omissões. Mente aos bocadinhos pequeninos. Mente como quem oferece chupa-chupas esperando que o açúcar provoque a diabetes fatal. A junção das suas mentirinhas permite-lhe construir umas ruelas por onde faz deslizar a sua ambição acolchoada.
A sonsa é boa pessoa. Uma Madre Teresa em miniatura. Comove-se imenso com os pobrezinhos, com os cães abandonados e não é contra o casamento gay - tem apenas uma opinião desfavorável -, conseguindo embrulhar as três comoções com o mesmo papel, dando por finda a sua solidariedade ao fazer deslizar uma lágrima piedosa que limpa com o dedinho atravessado para não esboroar o rímel.
A expressão favorita da sonsa é o derivado a seguida das justificações que encontra para a sua ausência de raciocínio.
- Ainda não li, derivado às dores de coluna com que fico derivado ao peso do livro.
- Não avisei que a casa estava a arder, derivado ao saldo de meu telemóvel.
- Não avisei que havia reunião, derivado à falta de esferográficas no gabinete derivado às manifestações do Charlie.
A sonsa, para além de tudo o que se diz por ser verdade, é também um problema dermatológico. Pode não parecer importante, mas com o tempo e a comichão alastra e torna-se a mancha que envelhece cancerígena.
A Gaffe decididamente prefere engolir sardinhas.