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Creio que sempre tive receio de falar de Maria Bethânia.
Mas fui vê-la e ouvi-la ao Coliseu.
A senhora está cada vez mais parecida com o irmão. Se Caetano Veloso enfiasse uma peruca desmesurada, se usasse túnicas brancas longas e largas presas com sereias na cinta, seria Bethânia numa versão mais bonita e, não neguemos, Caetano parece ser do tempo em que os homens construíam pirâmides.
No entanto, mal esta mulher pisou o palco, a brutalidade do talento, a madura elegância esguia, o desenho de cada gesto feito, o balanço quase frágil, quase duro, do corpo que acompanha numa subtileza intacta e inata as palavras ditas e cantadas, fazem de Bethânia uma das mulheres mais belas que eu vi.
Bethânia é belíssima.
Ao longo do desenrolar desta voz percebo lenta e morna a barbaridade que foi a acusação de anti-feminismo que demasiado jovem sofreu por cantar a dor de corno de mulheres abandonadas. Creio que as imbecis imputações chegaram de criaturas iguais àquelas que da mesma forma condenaram Brel por cantar uma das mais perfeitas canções que foram escritas, Ne Me Quitte Pas, porque o poema revelava implicitamente ser anti-feminista.
A idiotice encontra campos impensáveis para desovar.
Bethânia está para além da mulher. É um arquétipo.
Aproxima-se do nervo, da corda que corda que faz tanger o coração e dentro de uma voz madura e sapiente, é capaz de encarnar a ilusão e a ausência dela ao mesmo tempo.
Aproxima-se do essencial e estende-nos com a voz que ocupa a aquilo que é humano, dói ou faz sarar.
É dentro da voz de Bethânia que a total beleza se inscreve e é da mulher que surge, presa à voz, o pasmo de a sentir urgente.
Foto - Vinicius Pereira