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Pelos espelhos baços de Julho acabado, vinham buscar-nos.
Tínhamo-nos despedido na véspera dos areais e do mar e numa algazarra de adolescentes esbaforidos e irrequietos, atulhávamos o carro com gargalhadas e ensolarados gestos de alegria. Havia sempre luta para se conquistar o lugar da frente e havia a estalada do riso da minha irmã que nunca se mantinha quieta, erguendo as pernas para as fazer repousar no colo dos outros, e os beliscões idiotas do irmão que nos faziam rir sem qualquer motivo.
Havia no entanto, uma altura em que os adolescentes se mantinham fechados, macambúzios e em que o silêncio guinava ao lado.
Quando era ele que nos vinha buscar.
Não tenho fixos os traços do motorista. Nunca o olhei com atenção. Com cerca de quarenta anos magros, rigorosos, agrestes e grosseiros, o homem reprovava as brincadeiras tontas daqueles passageiros que lhe tolhiam o couro dos assentos e bastava o seu olhar fuinha para os calar ou fazer morder risinhos patetas. Nenhum gostava dele e nenhum lutava pelo lugar da frente quando era ele a conduzir.
No fim de um dos Julhos, vieram buscar-nos.
O meu atraso valeu-me o lugar do morto.
Lembro-me de me ver descalça e de trazer vestidos uns calções brancos curtos, pequenos, com bolsos laterais, de tecido fino, alinhado, parecidos com os usados pelos tenistas no antigamente das estrelas. Gostava deles, dos calções brancos, masculinos e antiquados, que me permitiam guardar minúsculos segredos colhidos quando a maré baixava nas gavetas velhas e esquecidas.
Ao sentar-me junto do sorumbático senhor, as minhas pernas nuas e longas, melodiosos brilhos doirados com o aveludado de pêssegos solares de adolescente esguia, encaixaram-se perfeitas no lugar.
Lembra-me que o sol queimava e que tocava na pele das coxas para tentar apaziguar o calor que sentia. O homem olhou distraído a mão na perna e nesse instante percebi a maléfica e insidiosa vontade que se agarrava a alma. Quis que me tocasse. A minha vontade era absolutamente consciente. Nada tinha de inocente ou casta ou pura ou desprevenida. Naquele instante sabia que era uma demoníaca mulher que queria ser tocada, pervertida e perversa. Nunca aquela urgência tinha sido minha. Nunca na alma tinha apanhado aquela faca, mas agora que a via, a brilhar ao sol, a vontade de a usar era obsessiva.
- Toca-me! Tu não resistes. Toca-me. Tu não consegues ficar sem me tocar a pele - mastigava em silêncio, sem pudor nenhum.
Tocou-me. A mão do homem deslizou sobre as coxas devagar e senti o despertar do medo no tremor despudorado daqueles dedos.
Compreendi, depois de ter transformando com um sorriso limpo o apalpar lascivo das minhas coxas num gesto de ternura, que sabia onde encontrar este mistério que me acompanhava. Aprendi a lapidar, a apurar, a cultivar, a aprimorar, a cinzelar e a polir a capacidade impudica e vertiginosa, que foi sempre minha, de convocar e domar Belzebu, acicatar, a subjugar o poderoso príncipe, mascarando-o depois com véus de luciferina inocência.
Agora, a domar demónios, sou bem melhor do que era na minha adolescência que findava, naquele Julho de calções de ténis.