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A única vez que a Gaffe olhou para José Sócrates com alguma atenção, estava o rapaz a disputar eleições já com um fato feito por medida, cinza antracite, camisa imaculada de seda branca e gravata azul-turquesa com um nó Windsor, impecavelmente executado, irrepreensivelmente composto e indiscutivelmente elegante. Tudo em mente.
A Gaffe confessa que compreende, embora não partilhe, o posterior encanto de Merkel por esta figura repleta de segurança que esbanjava certezas, dinamismo e um certo ar de enfant terrible que assenta sempre bem nos políticos que pretendem disfarçar a obediência à senhora da Europa.
Apesar do porte Armani, Sócrates não convenceu esta rapariga esperta. Por norma, desconfia de rapagões que batem nas costas dos adversários com algum savoir-faire e muito charme à mistura. Quase sempre estão a tentar que vomitem qualquer coisinha que se possa usar para vencer a disputa.
Preparava-se portanto para desviar o seu olhar pestanejante rumo a outras paragens – no canal concorrente passava a divinal publicidade ao perfume da Mont-Blanc – quando Sócrates, num gesto digno de Errol Flynn em Captain Blood, fez da Gaffe uma Olívia de Havilland completamente rendida.
Num lance apenas faz esvoaçar o sobretudo preto e durante o voo deixa que o forro de cetim escarlate flameje e nos toureie.
O Homem sensato, cuidadoso, preocupado, escrupuloso, ponderado e prevenido, era também capaz de ousadia, coragem, destemor, desafio e rasgo renovador. Percebeu-se de imediato quem ganharia as eleições. Os portugueses possuem uma tradição tauromáquica bem enraizada.
A Gaffe não sabe quem era na altura o conselheiro de imagem de José Sócrates, mas seria conveniente que o voltasse a contratar agora.
Este fintar visual sempre foi característica quase instintiva de José Sócrates. Mostrava-nos a capa vermelha para marrarmos deixando ileso o toureiro. Não foi bonito. Ninguém gosta de, depois de sentir o lombo cravejado de farpas, ter de esperar pelas chocas, rumo ao matadouro.
Há no entanto uma quantidade enorme de aficionados que ululam de indignação perante o mártir tombado na arena a ser profanado pelos cascos das bestas. Outros tantos rejubilam alardeando o estatuto de forcados.
A Gaffe suspeita que, quer a uns quer a outros, foi retirado o líder da fiesta, mas decide acabar com a metáfora tauromáquica, não vá alguém desatar a cantar Fernando Tordo que apesar de muito a propósito, não soa tão popular como aquela coisa da bezerrinha do Quim Barreiros.
A inflamação generalizada que grassa por tudo quanto é canto, levantando em simultâneo repulsas e aplausos perante a queda de José Sócrates, não se verifica de todo frente aos tombos de figuras igualmente conhecidas. Ninguém sentiu o estômago aos pulos por Duarte Lima ou por Armando Vara, se quisermos escolher apenas dois num leque cada vez mais vasto de bons rapazes de capacinho perdido.
A Gaffe pensa que esta multidão de lamentos eivada de foguetes que estourou no caso de Sócrates, resulta do facto de se ter retirado à matilha o macho dominador. Perante esta falta, a tresloucada confusão dos que ficam sem líder, quer para idolatrar, quer para zurzir roendo o osso da inveja ou o da ambição frustrada, torna o Campo Pequeno ainda mais pequeno transformando-o num ridículo rodeo de um far-west de pechisbeque onde já só pincham os palhaços.