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A Gaffe não é uma rapariga implicativa. Tem é manias suspeitas. Não consegue, por exemplo, ver livros colocados nas estantes sem critério nenhum, nem quadros tortos nas paredes, nem objectos colocados de forma simétrica nos móveis, nem os vestidos da Dulce Pontes, sem lhe tremerem as pálpebras e começar a espumar de raiva e de indignação.
Em consequência torna-se difícil e acaba sempre a resmungar sozinha, sentada à mesa onde antes havia um grupo de gente alegre e risonha.
Gente alegre e risinha dá cabo dos nervos. A Gaffe prefere os deprimidos, os pessimistas e os exilados da vida. Pelo menos estes não contam anedotas foleiras que a deixam sempre a procurar debaixo dos móveis a piada que trazem e que tanto faz rir meia dúzia de patetas.
No entanto, apesar dos factos, os amigos que a Gaffe conserva desde a infância são gente feliz. Esta rapariga pensa que a banalidade tem ligações secretas com a felicidade, porque são gente banal também. Gostam de bagatelas básicas e de camisolas de gola alta que compram na Zara; discutem que se desunham assuntos que deixariam os intelectuais da praça completamente revoltados com a inutilidade do debate; falam de gatos e de cães como se deve falar de gatos e de cães, ou seja, sem os tratar como se fossem miúdos mimados, ranhosos e cheios de folhos que aprenderam um ou outro malabarismo engraçado - como usar os caixotes com areia; - gostam de dar gargalhadas alarves quando apanham alguém a dar um trambolhão; arranjam problemas sentimentais que fazem a tragédia de Inês parecer a do Capuchinho e desancam os idiotas que tentam conspurcar as vidinhas alheias; não lhes interessa um pirolito a orientação sexual de cada um e, quando a descobrem, andam uma dúzia de horas a procurar os queixos que perderam ao descobrir que o parceiro de jogging - fazem jogging, porque faz bem à saúde, mas também porque é chic correrem, feitos doidos, de toalha aos ombros, pelos bosques e relvados, - gosta de conhecer, biblicamente falando, apenas os tipos que com ele se cruzam, deixando de fora as corredoras boazonas.
São gente inteligente, mas sem a arrogância e a insolência que a inteligência desperta nos que lidam mal com o confronto ou com o embate com a inteligência dos outros.
Apesar das brutas discussões que engendram, acabam por parecer todos muito zen, quando comparados com as fúrias tresloucadas desta rapariga.
São gente saudável.
São os seus amigos. Gente feliz que transforma a infelicidade numa partilha cúmplice, numa partilha gerida com a consciência de quem sabe que o humor é uma das pouquíssimas armas que atinge certeira a mofina - a Gaffe andava ansiosa por escrever mofina!
São muito poucos, mas esta rapariga agarro-os e fecho-os na palma da mão, como se não houvesse amanhã ou se o amanhã fosse só de noite.