Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
A senhora de meia-idade é irrepreensível.
De tailleur aprumado, laço na blusinha e passarinho ao peito, unhas pintadas de verde para recordar a diferença entre nails e mails, dedinho rechonchudos de anelar estrangulado por um fiozinho de ouro com brilhante encastrado, sapatito de meio tacão, de polido couro, permanente riça de caracóis rígidos e tingidos, batom de discreta pincelada e traço no olho feito pelo Zorro.
Um mimo de gente.
Reservada. Conservadora. Discreta.
Perto dela, os cães minúsculos arrastam a cauda para trás dos móveis e a água sai turva dos canos que tremem.
Um pilar da sociedade.
Encontro-a no compartimento do wc logo a seguir ao meu, onde entro sorrateira para não perturbar.
Subitamente, no meio do que é habitual fazer-se nos WC, a cabine do lado oscila ameaçando derrubar paredes.
A senhora faz ribombar a fanfarra das Forças Armadas, o bando de bombos do Alto Minho a tocar ao desafio.
Trovadas e sismos.
Em pânico receio ser esmagada pelo desabar dos muros ou projectada com a deslocação do ar para longe do meu humilde xixizito. Temo que tenham sem aviso prévio ordenado a implosão do edifício. Receio que haja um estourar de aneurisma, um AVC, uma ruptura intestinal, uma explosão de entranhas e que no tremendo tremor eu não sobreviva, soterrada.
Que faço eu?
Tusso!
Tusso com a discrição das imbecis apanhadas pela borrasca e procuro despachar com a maior brevidade que me é possível o que foi humilhado pela grandiosidade eloquente do que rebentou ao lado.
Saímos ao mesmo tempo para delicadamente molharmos as mãos e espargirmos gotículas suaves de água no azulejo imaculado.
Sorrimos diplomatas e afastamo-nos.
Desanimada reconheço o lamentável que é verificar de forma tão sonora que até mesmo os pilares da sociedade estão minados até aos alicerces.
Ilustração - Jang Yong Oh