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O amor é o único lugar onde é permitido roubar ou mesmo violar quase todos os outros Mandamentos. Daí haver sempre a possibilidade de vencer o rival ou a rival - para simplificar vamos chamar-lhes o Outro - desde que saibamos que, em última instância, é permitido arrancar olhos e pontapear miudezas.
É lamentável e deprimente que uma mulher, chorando baba e ranho, possa perder sem dar luta renhida o que pensa ser o Amor da sua vida, mesmo quando o rapaz em causa se inclina para lugares nunca dantes navegados, mesmo quando o Outro é um matulão de bigode e barba rija ou uma loira luxuriante saída de um panfleto das Marés Vivas.
Há, contudo uma excepção: o que perdemos, está morto.
A morte transforma a vida em destino e lava todas as máculas, todas as nódoas, todas as ofensas, todas as manipulações malditas que por amor e em vida foram existindo. Contra isso todas as armas tombam num Alcácer-Quibir mais que previsto.
Fica apenas a memória do que foi divino, perfeito e demasiado grandioso para ser tocado ou alterado e, mesmo essa memória, lapidada pela morte, ampliada na luz que irradia, faz do nosso amor perdido a Eternidade.
Não há saída. Perdemos mesmo antes de pegar em armas, somos vencidos mesmo antes de começar a luta. Iniciamos o que não pode ter início. A morte tem sequestrado o coração que desejamos nosso.
Tenho uma fotografia de um destes mortos.
Um manipulador de almas, perigoso e implacável que desaparece substituído por um anjo branco, esguio, descalço, de olhar esverdeado, frágil e belíssimo que, dizem as vozes em surdina, surge, alma penada, na humidade da cisterna à procura do amor que destruiu.
Sabemo-lo da morte, mas sentimos também que nos assombra a vida.