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1º gesto
O perfume das gardénias nas varandas perfura-lhe os dedos.
Tem gardénias nos dedos das varandas, enjoativas, a provocar a náusea, a arrastar o vómito. Pesam-lhe os dedos como o calor que se abre nos botões das flores.
Os seus dedos são gardénias quentes de perfume e de besouros. Ouve os zumbidos dos bichos debaixo das unhas. O calor estala os botões de mansidão sinistra. Abrem-se como dedos de criança tenros e opalinos.
Nas suas mãos há dedos de gardénias opalinas e debaixo das unhas os besouros zumbem, zoando de perfume. Zunem os seus dedos de besouros bêbados e de gardénias abertas como feridas.
2º gesto
Outrora as mãos peregrinavam e no encontro das mãos ouvia-se rezar nas catedrais.
Nas mãos há peregrinos.
As suas mãos são como um pequeno mosteiro de portas abertas numa estrada por onde não passam peregrinos. A terra do caminho que vai a essas súplicas não é abrandada pelos passos de ninguém.
3º gesto
São ágeis os seus dedos e brancos e angulosos. Se os mover devagar vemos as ondulações meigas dos ramos das árvores de tronco quieto quando chega o vento sem qualquer barulho. Se os mover com fúria parecem insectos presos na angústia das teias de aranha.
4º gesto
As mãos são éguas brancas.
Perto dos juncos, a água dos olhos queda-se a ver ou a rezar lá dentro, a pedir coisas.
5º gesto
Se nos dedos zumbisse o lume a atravessar as sombras dos seus lábios - ou a mão na sua boca - então as gardénias seriam peregrinos a cavalgar o espaço.
Na foto - Paul Éluard