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Acordo com a perna do rapagão pousada sobre as minhas pernas, um braço ensarilhado no meu braço e a cabeça voltada para mim, que adormeci de bruços.
Vejo-o respirar. Conto-lhe as pestanas no silêncio do espanto de o ter de forma tão absoluta e é na súbita consciência de que o tenho que a tristeza cresce como a chuva.
Ter como definitivo seja o que for, é como viajar sozinho quando chove. Morre-se um pouco.
Estes amanheceres poéticos duram o tempo de retirar o embondeiro que tombou sobre as minhas pernas e escapar sorrateiramente para o chuveiro onde, por norma, medito sabiamente nas agruras e nos prazeres da vida, enquanto me mantenho fidelíssima ao velho sabonete português redescoberto pelas mais recentes estrelas de cinema.
Embora, diga-se em abono da verdade, sempre tenha considerado perigosas as superfícies escorregadias do ambiente esmaltado, não resisto à molhada sensação de desprendimento ao ter este miminho a deslizar no corpo, unido ao tépido contacto de dedos a borbulhar espuma.
Sei que é agradável partilhar o chuveiro com alguém que goste de ensaboar a partilha e reconheço que há muito poucas coisas que me agradem tanto como saber do fácil que é escorregar no banho, sabendo que me posso agarrar a mais do que à torneira, mas as minhas matinais meditações requerem uma pluviosa solidão.
Hoje, de repente, meio destas minhas purificações, tive o som de Sinatra espalhado pelo chão e um homem quase nu, com o cheiro da manhã que rasga janelas, bamboleando o corpo, de sorriso dentro dos olhos fechados:
For once in my life
I have someone who needs me
Someone I've needed so long
For once unafraid
I can go where life leads me
And somehow I know I'll be strong
For once I can touch
What my heart used to dream of
Long before I knew
Someone warm like you
Could make my dream come true
For once in my life
I won't let sorrow hurt me
Not like it's hurt me before
For once I've got someone
I know won't desert me
I'm not alone anymore
For once I can say
This is mine, you can't take it
As long as I've got love
I know I can make it
For once in my life
I've got someone who needs me
Descubro que as melodias que desato a amar são aquelas que são cantadas por os que me povoam a vida. Nenhuma, absolutamente nenhuma, poderá tocar-me sem primeiro ter pairado e tocado na alma daqueles que me cantam no peito.
Não sou Música. Não a sei ouvir como merece, mas sei gostar com tamanha força que mesmo a canção que vejo tem de ser a alma de alguém para que eu a consiga trautear.
E trauteio desta vez Sinatra, no chuveiro.