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Quando se abrirem os currais do tango, espera pelo ganir da concertina. Não deixes de prender os olhos no brilho desta sombra. Se o fizeres e se fechares o olhar, apunhalo-te e mancharás de sangue o teu peitilho branco.
Fica-te bem o smoking deste tango.
Homem agora preso a mim, a começar.
Crava-me os dedos nos rins e aperta a palma da minha mão estendida. A tua boca a roçar a minha. O teu arfar enclausurado nos meus lábios. Escaldam os meus lábios. A minha perna abrasa por entre as tuas, abertas, a suportar doridas o inclinar do tronco que o teu curva. Podes lamber a gota de suor que desce no meu queixo e esperar a agonia do sussurro que perto de ti, no pavilhão da orelha, no pavilhão da casa, vou espetando no corpo dos violinos.
Este tango tem a história de um homem e de uma espera. Amou a amante morta num tempo que é já morto, marcado nas paredes com navalhas e no espaço que durava o amor, não respirou. Dançou sozinho um tango desgraçado.
Afasta a tua perna. Empurra os flancos contra a minha carne de modo a que eu te sinta. Rodopia seguro pelas garras que cravo nos teus ombros até sentires a dor que vem de mim, como o gemer do tango, a doer, por entre as tábuas.
Queria ser amado, o homem desse tango. Amado como amou num tempo morto em que sem respirar amou amando a amante que morreu e que não vinha dançar nas concertinas das paredes.
Faz-me gemer erguendo-me nos braços. Faz-me rodar presa na boca. Escolhe uma palavra que traga o escarlate do obsceno e prende-ma nos olhos e sorri de dor quando esmagar o peito contra o teu nas voltas que tu sabes controlar.
Quando beijou outra mulher tinha passado o tempo do homem desse tango que não danço.
Não morras já. Há mais suor em mim para te encharcar os braços e tenho mais saliva a arder e dentes para cerrar. Abre a boca, respira compassado. Há mais para dançar dentro de mim.
Quando beijou outra mulher, o homem que não dança, quis que ela fosse o amor que tinha à espera. Marcou-lhe o mesmo tempo. O tempo em que ela tinha de gravar um tempo nas paredes com navalhas impolutas como as dele. O mesmo tempo em que ele amou a morta até beijar aquele novo tango.
Se ela dançasse da mesma forma o mesmo tango mudo!
Se ela na espera erguesse esse silêncio entre o latir dos tacões nas tábuas do soalho e o chiar das cordas do violino!
Aperta-me. Faz-me doer. Esmaga-me no espaço em que o contrabaixo morde a minha saia e a minha perna que serpenteia a tua. Não morras já. Espera só que eu vire a minha cabeça para dentro do teu corpo. Há mais na tua mão colada à minha palma e nos meus rins vergados pelo teu braço.
A outra não o amou como ele queria e no tempo que ele tinha para lhe dar de espera, tangos diferentes cortaram-lhe o espaço e dentro desses tangos ela dançou com outros.
O prazo terminou. O tempo acaba. Podes morrer agora nos meus braços.