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Chove nos vidros duplos da janela. Uma chuva sem gargantas.
Ontem a minha irmã, chegada de longe como a chuva, abraçou-me. Encostou-me a cabeça ao ombro dela. Senti-lhe os dedos frios no cabelo e um alfinete em forma de pássaro a magoar-me a cara.
Chove e a minha irmã abraçou-me ontem. Ou talvez não tenha sido ontem ou talvez nem sequer esteja a chover, mas o pássaro de olhos de pérola a voar-lhe sobre a clavícula continua na minha cara a magoar-me, a mim, que sou o pássaro de olhos sem pérolas preso por um alfinete aos tecidos dos casacos.
Na minha cara e na clavícula dela, eu e o pássaro, presos pela chuva sem garganta e um alfinete que não vejo, a reter as migrações das aves.
Em mim, que já recusei abraços e onde não chove nunca uma voz presa.
et je suis comme un oiseau mort quand toi tu dors
(Brel - numa das paredes da Sorbonne – Maio de 68)