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Perguntam-me qual o som que me traz Paris e eu emudeço.
Nunca tive o talento de saber ouvir música. Deveria portanto, para fazer brilhar a mais do que certa resposta dos que sofrem deste tipo de surdez maldita, referir Piaf, Ferré, Brel, Brassin, Trenet – sem o colaboracionismo -, Montand, Bécaud ou outro qualquer nome capaz de se identificar de forma inabalável com a voz de Paris, com o correr do Sena, com a nostalgia das árvores dos parques nus de concertinas, com as escadas de Montmartre descidas pela boémia já passada, com as esplanadas dos cafés lendários que entardecem tristes, com a chuva sobre as pontes desoladas e com a luz doirada a invadir as ruas.
Não consigo.
A voz que me traz Paris não é a mais excelsa, não é a mais dotada, não é favorita dos eruditos que estudam e criticam as profundezas nobres de letras e colcheias, mas é a única que me traz a longuíssima saudade dos passeios frígidos, dos risos que guardei dentro do peito, das folhas a tombar no meu cabelo, dos olhos das mulheres que são o Sena, do correr da tarde que se espalha nas sombras que anoitecem nos trilhos dos vadios, no triste emudecer das aves esculpidas nas vielas onde há cafés pequenos voltados para o frio, na doçura das mantas que guardavam os segredos partilhados em surdina e nas mãos que se cruzavam quando o entrelaçar dos dedos tinha fim.
Paris, a voz que sinto ser desta cidade, é o som deste homem a rasgar o verso.
Basta um início para ouvir o som que eu ouço quando Paris chega.
Foto - Hernst Haas,1955