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Somos por vezes criaturas em que a altivez se foi metamorfoseando, eclodindo e revelando o que de mais escuro existe em nós, sobretudo quando, à nossa frente, temos os que por nós dariam tudo, sabendo que por eles nada trocaríamos.
Desembainhamos a crueldade e tornamos fácil agredir aqueles que nos querem, quando sabemos que esse desejo não tem reflexo em nós.
Impomos a sela de Pégaso como condição para aceitarmos que nos transportem as pérolas com que adornamos o pescoço da soberba e obrigamos a que todos os aromas que nos chegam do quotidiano mais comum, sejam submissos reflexos das nossas escolhas autistas.
As janelas do amor que os outros nos dedicam, abrem-se tantas vezes para as nossas vielas putrefactas.
Dizemos depois que somos demasiado exigentes, urbanas, sofisticadas e cosmopolitas e que não temos tempo para dedicar à banalidade dos que passam olhando para dentro de nós à procura de chão.
Temos apenas céu.
Falamos da indiferença racional e da polida e culta e livre forma de viver e de sentir de mulheres que ultrapassaram as margens da timidez vagarosa que flutua no olhar dos que nos querem, porque a ousadia e a fúria do arrojo dos heróis e dos guerreiros condiz melhor com a velocidade a que nos movemos.
Tantas vezes somos mulheres a jacto.
Neste percurso de tocadas pelos deuses das avenidas largas e infinitas, de aço, de acrílico, de brilho de navalha, apenas amarfanhamos, comprimimos, sufocamos, o desejo de numa tarde banal e corriqueira, numa rua, numa qualquer ruela abandonada, termos o tempo lento a soprar na cara enquanto alguém nos leva para longe, de mansinho.
Imagem - André Gonçalves