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A história é tão pequena como a protagonista.
Há cerca de um mês encontrei na rua uma cadelinha abandonada. A morrer de fome, repleta de parasitas, tão debilitada que era improvável que sobrevivesse mais do que dois dias. Impressionou-me o medo e a súplica que a faziam, mesmo prostrada, abanar a cauda quando me aproximei.
Foi difícil recolher aquele pedacinho de ossos. Foi difícil convencer aquela miséria escorraçada a ficar ao alcance do meu colo.
Chocou-me e partir-se-me o coração, quando finalmente a recolhi nas mãos, ver a marca no pescoço que lhe tinha arrancado o pelito sujo. A cadelinha tinha estado amarrada por uma corda e exposta a todos os maus tratos antes de ser abandonada na rua para morrer.
O rapagão veio desarvorado quando lhe pedi socorro.
Era praticamente impossível acertar na idade da órfã. Era perigoso vaciná-la tendo em conta a brutal fragilidade em que se encontrava. Estava demasiado debilitada, estava esquelética. Pela dentição não tinha mais do que três, com alguma sorte, quatro meses.
Em que mês a amarraram a uma corda? Em que mês lhe começaram a bater? Em que mês arranjaram tempo para a torturar? Em que dia é que se aperceberam que chegara a altura de a matar? Não eram muitos os meses disponíveis.
Foi desparasitada, alimentada, vitaminada, limpa com toalhetes e mimada. Adormeceu depois de se cansar de abanar a cauda e de nos beijar as mãos.
Não sabia brincar e escondia-se atrás de um móvel a chorar - nunca chorava por ficar sozinha - quando ao amanhecer a íamos visitar. Chorava de medo. Batiam-lhe quando acordavam?
O rapagão cuidou dela. Dez dias depois foi vacinada e encontrou uma casa nova e uma dona maravilhosa que desatou a amar de imediato.
Já brinca e é tão feliz!
Tinham-me identificado o assassino. Ninguém estranhava o crime. Era o seu hobby. Torturava em lume brando os animais. Estava tudo normalizado. Por várias vezes tinha sido denunciado às autoridades. Por falta de evidências mantinha-se impune.
- Ele até é boa pessoa, mas...
Tenho-o hoje, agora, neste instante, sentado à minha espera. Li o processo. É grave.
Pela primeira vez em toda a minha vida, vou detestar cumprir o meu dever.