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Às vezes, tantas vezes, a solidão torna-se uma antiga conhecida, quase uma amiga de infância, que caminha connosco pelas ruas, embrulhada em mantas de caxemira de cor suavizada pelo modo como lhe vamos segredando os nossos mais tristonhos pensamentos ou as nossas mais pequenas ambições.
A solidão não é propensa a grandes confidências. É avessa a grandes planos ou projectos megalómanos. Prefere dar-nos o braço e, em surdina, ouvir-nos falar de pequenas coisas, da passagem lenta do tempo sobre as pedras, dos chuviscos da véspera, das janelas acesas ainda na manhã, ou já iluminadas pela manhã, do carro que curva derrapando, do homem velho com a vida num saco de plástico que espera o autocarro sentado num murmúrio incessante, do cão que fareja as árvores do parque que me assusta quando escurece, do cartaz feio colado repetido nas paredes ou da ilusão de um olhar que nunca chega a nós.
A solidão é boa observadora e ao lado dela ficamos sempre a saber do paradeiro dos pássaros que emigraram quando o primeiro frio lhes rasou o voo.
Ficamos também à espera de os voltar a ver.