Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Amanhece cinza friorento.
Ele afasta-me a cabeça do peito e pousa-a na almofada com o cuidado de quem não quer perturbar o meu dormir, sem saber que há momentos acordei e fiquei a olhar-lhe o sono.
Desliza pelos lençóis devagarinho e nu, perfeito, não vislumbra as minhas pestanas entreabertas.
Ouço o chuveiro.
Ouço a água a correr para a chaleira.
Sei-o de braços cruzados e toalha à cinta, encostado ao balcão metálico à espera de calar de imediato o assobio da água em desespero.
Depois os dedos tamborilam no balcão.
Ouço-o a abrir o armário e a retirar da caixa o pequeno pacote do chá que toma todas as manhãs cinzentas e ensonadas.
Ouço a torradeira a disparar o sol que já é de ontem.
A cadeira nos ladrilhos do soalho.
Ouço o ruído áspero da escova dos dentes e de novo a água a correr e de novo a escova e outra vez a água.
Ouço o tilintar do cinto e o barulho manso de roupa a ser vestida.
Depois pousa um joelho na minha cama, inclina-se e beija-me o canto da boca, levemente.
Ouço a porta a fechar devagarinho.
Todos os seus ruídos são banais, prosaicos, corriqueiros, mas parecem todos eles declarações de Amor.
Ao fundo, aos pés da minha cama, perfilam-se os violinos.