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Não adianta, meus caros, avisar os incautos, os náufragos em ilhas desertas, os agorafóbicos, os parvos e os eremitas, que começou a Primavera. Alguns não têm facebook e os blogs respectivos parecem hibernar.
A Gaffe decidiu que enquanto não receber as demonstrações da praxe, vai continuar impávida a mandar-vos todos molhar pilas e pipis nas barragens encharcadas e gelar as mamocas no frio do Árctico.
Que gente fastidiosa!
No Amor é imprescindível atar com um fio de aço a claridade à sombra. A força com que surge a Primavera é a mesma que acompanha o voar das borboletas.
É um erro colossal ficarmos desatentas à colecção Primavera/Verão 2015 de D&G.
O deslumbre é imediato. Nada é descurado na perfeição que invade um cenário espanhol.
A cor escarlate trespasse o palco e o calor das terras de Espanha espalha-se pelos corpos quase num desafio de arena e de touros, de flamenco e de flores de carne rubra.
É impossível ficar indiferente, porque a opulência é uma mulher fatal que se apossou do mistério do ondular das capas dos toureiros.
Belíssima! Para render Hemingway.
A Primavera/Verão 2015 de Tom Rebl é surpreende, luminosa e uma coisa para nos fazer desejar depressa o Inverno.
À alvura dos rapazes une-se a profusão dos acessórios que numa atitude que toca o exagero, que nestes casos está sempre próximo do mau-gosto, fazem peso sobre o tronco límpido do desejo.
Não é, de todo, uma colecção de empatia imediata. Exige o lapidar das formas que se podem considerar incompatíveis com as escolhas masculinas habituais pela amplitude dos desenhos e escolha de tecidos.
Claramente pertença das grandes metrópoles indiferentes onde é possível ignorar um homem mascarado de anjo ainda com os brilhos das asas perdidas ao pescoço.
A Primavera-Verão 2015 de Saint-Laurent é uma desilusão.
Uma mistura de Midnight Cowboy e de Bee Gees, com um travo a hippie debruado a John Lennon.
Absolutamente deprimente.
Caso Yves Saint-Laurent assistisse ao desfile acabrunhante da sua grife (e espero que não o encontrar no meio dos espectadores, porque tenho algum receio de múmias) creio que se sentiria humilhado e desalentado perante uma colecção pouco inteligente, confusa, de certo modo fácil, vivendo apenas de cores soturnas e de tecidos elaborados e claramente excessivos e pesados.
Pelo menos faz com que sintamos saudades da Deneuve.
A Primavera/Verão 2015 de Dries Van Noten é absolutamente encantadora!
O uso de vários tons de café com leite, desde a densa cor do café puro até à sua mais frágil mistura com a cor do chá ou do leite; o uso de padrões clássicos agigantados os rasurados; a amplitude das peças de linho e de seda que entregam um allure informal sem desconcerto e a colocação de pormenores que apesar de discretos se tornam primordiais, fazem de Dries Van Noten uma das Casas capaz de transformar 2015 num desfile de bom gosto e de inteligência.
A Gaffe aplaude entusiasta e decide riscar a giz todo o guarda-roupa.
De acordo com a minha santa avó, a Primavera é apenas o ensaio de uma nova peça, ainda com os tiques da encenação anterior.
No entanto, tendo em conta as inundações do palco e o frio dos bastidores, dir-se-ia que se justifica que o guarda-roupa tenha em linha de conta as agulhas de tricot e os novelos de lã rodar no cestinho perto da lareira.
Meninas! Previnam-se. Preparem-se para um Verão mais agasalhado e desfilem pelas areias do nosso descontentamento dentro de fatos de banho menos convencionais (mas também menos propensos a constipações) envoltas em roupões de praia dignos de St. Moritz.
Gant - Primavera, 2014 - Glencheck Peak Lapel Suit
A Gant propõe para 2014 a aliança entre tecidos aristocratas, clássicos e notáveis que produzem fatos em que a tradição já não é o que era, mas ainda faz as curvas, e a eventual surpresa da sobreposta presença de peças oriundas de indumentárias mais aventureiras e de ténis descontraídos e sem dossiers para calcorrear.
Esta união não é de todo inovadora. A particularidade do uso de fragmentos menos rígidos sobre um conjunto mais tradicional, não é de nos atirar para a rua com cartazes onde se grita GANT faz-me um filho, mas não deixa de ser curioso o modo como está implícita a vontade de trepar pelas ravinas da testosterona, com as cordas da adrenalina à cinta, mesmo quando as únicas escarpas que temos para escalar são as riscadas nos gráficos do Excel.
David Agbodji - Missoni (Primavera/Verão 2014)
Rodrigo Somalia - Missoni (Primavera/Verão 2014)
O calor que tem desabado sobre a Gaffe, descasca-lhe o cérebro dando origem a uma espécie pindérica de fuga de opiniões sobre matérias que desconhece de modo constrangedor.
Brisa aqui, brisa acolá, a Gaffe recupera o controlo e, numa reviravolta com uma certa falta de consistência, recupera os sentidos.
Na linha acalorada que se experimenta, esta rapariga esperta lança o seu olhar mais étnico a Missoni e fica encantada com o que lhe depara. A escolha dos modelos é sugestiva e esclarece os espectadores mais lerdos que não entendem que a inspiração chega da Mãe África. Esta preocupação é comovedora e revela o carinho do criador por aqueles que na primeira fila do desfile não distinguem um boi de um gnu e que confundem imensas vezes as riscas daqueles burrinhos giríssimos africanos com as zebras nas estradas e que tropeçam vastas vezes na orografia dos terrenos.
A proposta étnica permanece em todas as colecções e em todos os anos, sendo transversal a quase todos os criadores. Não é necessariamente uma inspiração com raiz africana, mas convém que a selecção de modelos seja interracial de modo a libertar o espectador, logo no primeiro instante, do esforço que o leva a descodificar o sentido e a fonte daquilo que vê.
Missoni é fantástico! Unindo uma assumida urbanidade a pormenores oriundos de paragens menos urbanas e padrões riscados e tribais, consegue imagens belíssimas de homens com capacidade de fazer sonhar em NY com extensas e tórridas paisagens africanas.
Sejamos práticas, raparigas!
Se a Primavera se tornar tímida, fazendo com que o Verão espere friorento a hora marcada para embarcar no navio do nosso contentamento, reconheçamos que só há uma Primavera em cada dia e é preciso canta-la bem florida.
Se a alvorada vier no baloiço dos perfumes, pode valer a pena sabermo-nos perdidas. Haverá sempre, aqui e além, o lugar exacto para nos encontrar.
É giríssima a blusa em camadas sobrepostas de tecido vaporoso, assemelhando-se a folhos desfeitos, conjugada com o casaquinho amoroso de rendado floral, óptimo para uma Primavera hesitante, e a carteira entrançada com a cor que se conjuga lindamente com o resto.
A Gaffe tenta. A Gaffe insiste em seguir as boas regras de uma digna fashion adviser.
Mas sente-se imbecil!
Da imagem recolhe apenas um etéreo e absolutamente feminino allure que se perde em sobreposições frágeis de películas que se assemelham a um bater de asas, um pequeno e perfumado bouquet que ampara o voo discreto da blusa e o ninho sem pássaros, entrançado e fechado.
Decididamente, a Gaffe não tem qualquer talento para o ramo.
(Todd Jordan)
A Gaffe tem sido uma menina tonta.
Não pode, impunemente, revelar uma face mais intimista e soturna quando declara sem dó nem piedade, alto e bom som, que conduz e alimenta pedacinhos de palavras fúteis e absolutamente ocas.
Deve, tendo em conta o facto, atapetar uma Primavera quente e soalheira com texturas inusuais, com cores suavizadas e sofisticados cortes onde reina um ligeiro laissez faire, laissez passer.
A Primavera agradece e nós, meninas espertas, gostamos demasiado de mesclar o sol com aprimoradas imagens de elegâncias em tons pastel.
O Inverno passou tão depressa!
A Gaffe quase não teve tempo de sentir e de saborear os dias repletos de chuva e de vento que fazem voar memórias e guarda-chuvas, nem de se deliciar com livros lidos à lareira, guardada por almofadas e mantas de lã da Serra da Estrela.
Entra com passinhos meigos e suaves a subtil Primavera, tímida e insegura, mas com os dedos repletos de brisas diferentes e de sol mais preguiçoso no deitar.
É tempo de metamorfoses. Tempo de fazer sorrir, ainda que seja breve este sorriso, esboços de projectos e de asas. Tempo de borboletas no cabelo e de pequenos sonhos que vão abrindo os braços, prontos a abraçar tudo o que cresce.
É tempo de raparigas em flor.